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No contexto de um processo trabalhista recentemente ajuizado, um caso emblemático emerge para nos lembrar que a ausência de equipamentos de proteção individual (EPIs) e o descumprimento das normas de segurança do trabalho não são meramente falhas administrativas. São negligências que custam caro: para a empresa, em termos financeiros e reputacionais; para o trabalhador, em sua dignidade, funcionalidade e futuro.
Neste artigo, abordamos um caso concreto, com os nomes das partes preservados, a fim de evidenciar, sob uma perspectiva técnico-jurídica e humana, a importância da cultura de segurança no ambiente de trabalho, o fornecimento de EPIs e os riscos de uma gestão omissa. O objetivo é dialogar com empresários, juristas e trabalhadores, instigando a reflexão e o compromisso com um ambiente laboral mais justo, seguro e eficiente.
1. O CASO CONCRETO: ENTRE TELHAS E CICATRIZES
Em dezembro de 2017, um trabalhador contratado como ajudante de serralheiro foi designado, poucos dias após sua admissão, para atuar na reforma de um telhado de uma granja. A tarefa não era apenas alheia à função para a qual fora contratado – caracterizando desvio de função – mas também extremamente arriscada: tratava-se de uma operação em altura, a aproximadamente três metros do solo.
Sem treinamento. Sem cinto trava-quedas. Sem capacitação. E sem tempo. O resultado foi trágico: queda do telhado, fratura na coluna vertebral, lesão medular traumática, perda da mobilidade dos membros inferiores, comprometimento das funções fisiológicas e a transformação completa do corpo e da vida do trabalhador.
Este acidente, classificado como típico, ensejou o ajuizamento de uma ação trabalhista com pedidos de indenização por danos morais, estéticos, pensão civil vitalícia e custeio das despesas médicas futuras. Mas para além dos pedidos judiciais, o que salta aos olhos é a ausência de cultura de segurança na empresa empregadora.
2. O PREÇO DA NEGLIGÊNCIA
A responsabilidade do empregador é incontornável. Não apenas por sua omissão em fornecer os equipamentos necessários, como também por ter colocado um trabalhador sem experiência em uma atividade de risco extremo. O art. 19 da Lei 8.213/91 é claro ao conceituar o acidente de trabalho como aquele que ocorre “pelo exercício do trabalho a serviço de empresa”, que provoque “lesão corporal ou perturbação funcional” com prejuízo à capacidade laborativa.
A jurisprudência trabalhista tem sido firme ao reconhecer a responsabilidade civil objetiva do empregador em atividades de risco. Em paralelo, a responsabilidade subjetiva também se configurou: negligência no treinamento, imperícia na designação de tarefas, imprudência na ausência de EPIs.
O dano não foi apenas físico. Foi moral, ao atingir a autoestima, a autonomia e a sexualidade do trabalhador. Foi estético, ao deixá-lo com cicatrizes e muletas. E foi financeiro, ao comprometer sua capacidade produtiva. Para a empresa, o passivo ultrapassa os R$ 400.000,00, além dos custos reputacionais e do impacto na relação com os demais empregados.
3. EPIs: ENTRE O FORMALISMO E A PROTEÇÃO REAL
Fornecer EPI não é um ato simbólico. É um dever legal, previsto na NR 6 do então Ministério do Trabalho e Emprego, atual Secretaria de Trabalho. Mas não basta entregar o equipamento. É preciso treinar, fiscalizar, substituir, registrar. O EPI deve ser adequado ao risco e compatível com a atividade desempenhada.
No caso em análise, sequer o cinto de segurança com dispositivo trava-quedas foi fornecido, contrariando não apenas a NR 6, mas também a NR 35, que trata do trabalho em altura. A ausência deste item foi determinante para a gravidade do acidente.
A entrega formal não exime a empresa de sua responsabilidade. A fiscalização sobre o uso, a capacitação para manuseio e a avaliação de risco são deveres que integram uma verdadeira gestão de segurança do trabalho.
4. CULTURA DE SEGURANÇA: UM ATIVO INTANGÍVEL
A verdadeira segurança não se resume a EPIs. Começa com liderança, planejamento e compromisso. Empresas que implementam cultura de segurança são aquelas que:
- Realizam avaliação de riscos antes da execução de qualquer tarefa;
- Estabelecem procedimentos operacionais padronizados (POPs);
- Mantêm PPRA, PCMSO e CIPA ativos e eficazes;
- Treinam continuamente seus colaboradores;
- Reconhecem a segurança como um valor e não como um custo.
Empresas que investem em segurança evitam processos, reduzem afastamentos e constroem uma imagem de responsabilidade social. Mais do que isso, retêm talentos, aumentam produtividade e garantem continuidade operacional.
5. O TRABALHADOR: VÍTIMA E SUJEITO DE DIREITOS
Ao trabalhador, cabe conhecer e reivindicar seus direitos. EPIs não são favores: são obrigações do empregador. O descumprimento pode e deve ser denunciado, seja ao sindicato, à Superintendência Regional do Trabalho ou à Justiça do Trabalho.
O trabalhador vítima de acidente laboral deve buscar amparo previdenciário (auxílio-doença acidentário, aposentadoria por invalidez) e também pleitear judicialmente a devida indenização, caso haja falha da empresa na prevenção do acidente. A Constituição Federal e o Código Civil asseguram essa possibilidade.
6. CONCLUSÃO: QUANDO CUIDAR É MAIS DO QUE UMA ESCOLHA
O caso relatado não é uma exceção. Infelizmente, é um reflexo de uma realidade recorrente em diversos segmentos, especialmente na construção civil, metalurgia e agroindústria. A gestão de riscos não pode mais ser relegada a segundo plano.
Para o empresariado, a lição é clara: investir em segurança do trabalho não é apenas cumprir a legislação. É proteger vidas, mitigar passivos, preservar imagem e assegurar sustentabilidade.
Para o trabalhador, é essencial compreender que a dignidade no trabalho também passa pela sua integridade física. Não há produtividade onde há dor. Não há crescimento onde há abandono.
Uma queda. Um segundo. Uma empresa que aprende. Ou que paga o preço por não ter aprendido a tempo.
A escolha é de todos nós.